Sombrar
2016
Uma tarde de Joe Silhueta entremeada com fragmentos de Mitologia Grogue, de Guilherme Cobelo
As torres mancas despencam seus últimos lajedos. Não há mais lança a empunhar, arco a tornar teso, tampouco os cavalos de fuga. Não estão mortos: não existem. Foram-se também os palhaços, as companhias de bufões que te deleitavam nos intervalos entre o pensamento e a consciência. Lá se vai o trovador, menestrélico e lírico, por medo aedo, vate do vai-se o tempo em silhueta — atrás, cordas amarelas rabiscam nas areias do caminho os traçados misteriosos de uma insuspeita melodia. O sol, o cúmulo solar, com seus cabelos cacheados e potentes, afasta com oscilares a lunárica turma de seus antigos assombros. Heliófobo? Talvez. Nosferatu era tu na janela a cobrir os olhos. Ela o sol. No profundo de sua memória a fantasmagoria conduz gestos e olhares ao recôndito seguro. Pelas máscaras chega-se a essência, vai-se até ela, que reclama aparência, transparência. Condutas e hábitos, afinal, se desmancham na primeira brisa da vontade. Quereria tanto a ponto de mutar? A fantasia cessa quando o mago recolhe o condão. Paranóia, my friend, é o nome do esquivar-se ao bosque. Não só pela família, pelo estado e pela religião se conformam os motes de nossas índoles. Os traumas do afeto se estampam na paisagem com a força de mil crepúsculos. Compete ao grogue agora a bricolagem, os recortes, o desenredo dessa trama ancestral. Se é ao instante que oferece tua fibra, calca sob os pés a imagem baça de teu passado-sombra. Ou então,
jogue com ela, com elas, com as sombrilinas, dance com as sombras — não percebe como elas bailam com naturalidade, e que o próprio bailar é uma de suas virtudes mais belas? Aprender a sombrar sem ser tomado de assombros: assim amanhecemos, retendo do sol o halo. Seus olhos ainda se espantam, mas aos poucos bebem desse trópico aguanto. Um brinde ao grogue inventor e à inventriz que diante das ruínas não chorou passivamente, um brinde à ode da matéria revivida, à sucata de teus sonhos transformada em lira.
EVOÉ!